8. Escola,
computadores e tablets, artigo de Nelson Pretto
Nelson Pretto é professor da
Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e secretário regional da
SBPC-Bahia. Artigo publicado no portal Outras Palavras.
Mais novidades para a educação
com o anúncio da distribuição pelo MEC de tablets para os professores do ensino
médio. Para "discutir" o tema, aconteceu semana passada, em Brasília,
uma reunião promovida pelo próprio MEC com diversos pesquisadores brasileiros.
A compra dos tablets foi anunciada pelo ministro Mercadante, mas a decisão já
estava tomada pelo anterior, ministro Haddad. Fui convidado para a reunião,
meio que sem saber direito o que iríamos ter por lá. Para variar, a reunião
virou evento como bem gostam certos educadores e gestores públicos. Evento,
não: aula, seminário.
É curioso, pois tive a
oportunidade de participar de uma reunião com o próprio Mercadante, então
ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, que foi, de fato, uma bela conversa
com os hackers e pesquisadores presentes na 12º Fórum Internacional do Software
Livre (FISL), acontecido em junho passado em Porto Alegre. Lá, com um número
mais ou menos igual de pessoas do encontro da semana passada, um círculo foi
formado, as ideias circularam livremente numa grande roda de conversa, e foram
feitas inúmeras sugestões sobre as possibilidades do MCTI construir,
efetivamente, uma política pública no campo do software livre, do
desenvolvimento científico e tecnológico do País e da formação científica da
juventude, com a possibilidade de implantação e apoio a algo do tipo
"garagens digitais de C&T". Conversa boa, que fluiu leve e com
perspectivas positivas. Mas Mercadante deixou a Ciência & Tecnologia e não
sabemos se o ministro Raupp dará continuidade ao encaminhado, o que seria uma
grande perda.
Quando fui convidado para a
reunião sobre "educação digital" (esse era o nome do
"evento") do MEC em Brasília, imaginava algo semelhante, em torno de
uma mesa, com uma conversa franca sobre os rumos que poderiam tomar os projetos
de uso de tecnologias digitais na educação, que existem desde muito. A conversa
não aconteceu, e a rica possibilidade de uma reunião onde as ideias rolassem
soltas, possibilitando ao ministro e sua equipe (se tempo tivessem para
acompanhar!) sentirem as diversas possibilidades apresentadas por nós,
pesquisadores que estudam o tema.
Minha surpresa veio desde o
início. Ao chegarmos na reunião, encontramos cadeiras (carteiras?!) arrumadas
como uma sala de aula, um projetor para as nossas apresentações (com um sistema
operacional proprietário fazendo sua propaganda gratuita com aquela bandeirinha
ao fundo!), essas com um tempo fixo para as falas - que foi meio para nós
mesmos e para uma câmera que gravava tudo - sobre as nossas próprias
experiências, salvo uma ou outra fala mais estruturante. A surpresa ainda foi
maior quando nos deparamos, em paralelo, promovido pelo mesmo MEC e no mesmo
hotel, com uma outra reunião/evento ("Uso das tecnologias na
educação") para discutir a parte técnica do projeto de "educação
digital", como se fosse possível pensar os dispositivos e infra-estrutura
separadamente da concepção filosófica e pedagógica. Mesmo que depois o MEC
tenha nos dito que os dois grupos iriam se reunir, fica evidente o equivoco
brutal na concepção dessa política pública. Essa distinção tem, no mínimo, um
século de atraso!
O ponto nevrálgico, penso eu,
está centrado sempre e sempre na mesma questão: as políticas públicas
consideram que educação é sempre aula, aula com professor na frente ditando o
rumo! Com essa concepção de educação, mesmo que de forma subjacente e não
explicitada nos discursos, chegamos à grande questão e ao maior desafio quando
pensamos em cultura digital: de que adianta termos notebooks, computadores,
câmeras e tablets se o que se espera da escola, em última instância, é que tudo
se resuma a um professor dando aulas?
Outra pergunta que têm sido
feita, principalmente na mídia, é se deve ou não o MEC adquirir os tablets para
os professores? A resposta não pode ser tímida: claro que sim! Mas insisto,
temos que pensar maior pois não se trata de discutir se devemos ou não ter a TV
Escola, ou ProInfo, ou UCA, ou os laboratórios do Proinfo ou os tablets.
Trata-se de tudo e, essencialmente, da elaboração de uma política de tecnologia
da informação para a educação, e aqui não estou me referindo a ensino básico ou
ensino médio, mas a todos os níveis, das primeiras séries à pós-graduação.
Quem me lê pelo menos
eventualmente sabe que repito, quase como um mantra, que estas políticas
precisam articular diversas áreas e Ministérios (pense na riqueza de uma
articulação das escolas com os Pontos de Cultura!). Insisto que o MEC tem que
ser rede, e rede estabelecida com os estados, rede com outros Ministérios, rede
com os professores e rede que englobe os diversos níveis da educação.
No entanto, qualificar a
palavra "rede" é fundamental. Ficamos acostumados a compreendê-la a
partir do intensivo uso da palavra no sistema de comunicação de massa, com a
expressão "rede de emissoras de televisão", que produzem os programas
no eixo Rio-São Paulo e os distribuem para o resto do País. E, neste caso,
mesmo quando existe o envolvimento e participação das chamadas afiliadas, o que
vemos são, por exemplo, telejornais que reproduzem tudo, do cenário, entonação
da voz, estrutura de programa até a sua marca, com pequenas variações de letras
para dar a tal cor local. Na verdade, esse tipo de rede é de distribuição
(brodcasting) e não é isso que preconizamos para a educação. É necessário que a
rede se constitua a partir do diálogo, que considere a realidade e os valores
de cada um dos entes e regiões.
Numa rede assim constituída,
com professores atuando de forma colaborativa e coletiva, lhes sendo dadas as
condições de salário, formação e trabalho, a presença das tecnologias - todas
elas ao mesmo tempo! - pode muito contribuir para uma formação também mais
ampla, uma formação que prepare professores e alunos para a chamada cultura
digital. O problema, nesse campo, é que parece que o governo - e o MEC em
especial - tem receio de afirmar publicamente que vai simplesmente entregar
tablets aos professores para que sejam usados como elementos de informação e
comunicação para o próprio professor. Tem receio de ser criticado por,
corretamente, entregar equipamentos que podem contribuir, pela sua própria
natureza, para reestruturar o sistema, sem necessariamente se constituir num
veículo de mais transmissão de informações "geradas" de forma
centralizada, ou pelo MEC ou por uma das nossas universidades. Computador, tablet,
smartfone e todas essas tecnologias não podem ser vistas somente como meros
auxiliares dos mesmos processos educacionais.
Precisamos, com tudo isso
presente na escola, que os professores estejam preparados para interagir com a
meninada que, já, já, também deveria receber seus gadgets portáteis e, nos
espaços coletivos da escola, produzir culturas e conhecimentos e não
simplesmente consumir informações.
Para tal, insistimos: a
preparação dos professores não se dará com a simples oferta de cursos de
formação (muito menos padronizados!) e sim de um amplo programa de
fortalecimento dos professores (salário, formação e condições de trabalho)
visando a imersão dos mestres na cultura digital.
... e eu respondi... !